Máscaras descartáveis - Uma solução que pode muito bem ser um problema
Máscaras descartáveis aumentam ainda mais a poluição.
A Santo Tirso TV esteve à conversa com Carmen Lima, Coordenadora do Centro de Informação de Resíduos da Quercus. Na entrevista, a ativista ambiental da associação nacional de conservação da natureza, confessa-nos um problema que a pandemia da Covid-19 veio trazer a um mundo já saturado e poluído. Ainda há uns anos se fazia prorrogativa humana a salvação do planeta, mas o coronavírus veio atrasar essa luta tão urgente ainda para mais tarde.
"O feedback que nós temos da parte de quem trabalha na questão dos resíduos é que tem começado a aparecer muitas máscaras descartáveis principalmente nos Ecopontos no sítio do papel, em vez do plástico", afirma a coordenadora. "Isso torna-se um problema, porque nós não conseguimos garantir que estas máscaras descartáveis não estejam contaminadas com o vírus da Covid-19. E, para piorar, uma máscara descartável não é passível de ser reciclável", prossegue.
"Portanto, as máscaras mesmo que sejam misturadas com os outros materiais em plástico, não são, na maior parte das vezes, separadas devidamente. Também temos recebido relatos de equipas de Higiene Urbana que sinalizam muitas máscaras abandonadas no chão, nas zonas menos urbanas, nos parques naturais, ou até mesmo em praias".
A pegada ecológica para Carmen Lima é inegável. "O uso da máscara descartável tem um impacto muito grande a nível ambiental, não só pela sua necessidade de utilização, mas também pelo consumo de recursos".
PEGADA ECOLÓGICA
O segredo para ajudar a não poluir tanto o planeta passa, então, no seu entender por saber quando e como usar cada tipo de proteção facial. "Claro que a utilização destas máscaras descartáveis é inevitável nos locais de prestação de Serviços de Saúde, mas aí já existem recipientes próprios para acondicionar e tratar as máscaras. O problema é mesmo nas nossas habitações e nas ruas".
Para Carmen Lima, a maior parte das vezes as pessoas deveriam usar máscaras sociais reutilizáveis, certificadas e com bom grau de proteção. "Existem alternativas reutilizáveis, inclusive com certificação, que garantem o mesmo nível de proteção, e por vezes até superior. Há muitas pessoas que relatam que têm dificuldades em respirar com elas. Nós não "obrigamos" a que as pessoas andem com as reutilizáveis, as chamadas sociais, mas se tiverem que recorrer, por alguma razão às descartáveis, pelo menos quando as encaminharem o façam de forma correta, porque provoca um problema a quem as vai receber. As máscaras irão aumentar uma questão séria que nós já tínhamos. Se nós já lutávamos no passado com a necessidade de diminuir o uso de alguns itens de plástico descartável, como o caso das palhinhas, dos cotonetes, palhetas para mexer o café e que podem ser substituídas por soluções mais sustentáveis, agora teremos também esse desafio", acrescenta.
NECESSIDADE VS SOBREVIVÊNCIA
"Compreendemos e não nos podemos esquecer que o plástico tem uma importância muito grande em certas aplicações, como no caso da medicina e, por exemplo, na indústria da Construção Civil, mas no nosso quotidiano temos que ter consciência de que o plástico tem uma durabilidade muito grande e se for mal encaminhado vai permanecer no ambiente durante centenas de anos com o impacto de se poder fraccionar em pequenos pedaços, os microplásticos e esses pequenos detritos serem confundidos, enquanto alimento e serem ingeridos pelas espécies que habitam nesses locais, incluindo os animais que nós próprios comemos", prossegue.
"O problema da contaminação do plástico não é um problema de Portugal, não é um problema da Europa, é um problema mundial e vai certamente aumentar o drama e o problema social no planeta", refere.
"Tenho assistido a algumas promoções de máscaras sociais, não só por parte do ministério do ambiente que fez algumas campanhas para o uso de máscaras reutilizáveis, mas também no ministério da educação. A questão aqui tem a ver com o que transcende este circuito das escolas e da comunicação social. Na prática, para além destes círculos, essas máscaras reutilizáveis não são incentivadas verdadeiramente em lado nenhum".
Carmen Lima, elenca um exemplo: "Se eu for a um Centro de Saúde, ou a um Hospital e se chegar a um desses locais com uma máscara reutilizável, sou obrigada a substituí-la por uma máscara descartável. Esta obrigatoriedade, muitas vezes, indicia uma informação errada a quem a está a utilizar. Ou seja, uma pessoa que compra uma máscara reutilizável e que chega a um hospital e alguém lhe diz que tem que tirar essa máscara porque 'ela não é segura' cria uma ideia pré-concebida e vai descredibilizar aquela máscara junto dessa pessoa. O que se deveria apostar, e alguns canais poderão ter uma importância muito grande nisso, como as farmácias e as juntas de freguesia, era numa promoção da divulgação de máscaras reutilizáveis certificadas, assegurando, de facto, que elas são seguras para o uso quotidiano, para usar-se no supermercado, para dar um passeio na rua, para fazer aquelas atividades mais comuns do dia-a-dia", prossegue.
FALHA DE COMUNICAÇÃO
"Esta comunicação não está a existir. Aquela aposta que se tinha feito inicialmente com as máscaras reutilizáveis está a ser desconstruída com este novo discurso e com as estirpes que surgiram. Ora, isso baralha um bocado as pessoas. O sentimento de medo das novas estirpes fez a população mudar para as máscaras descartáveis porque lhes foi dado a entender que elas são mais seguras, mas muitas vezes é mentira. A verdade é que a maior parte das máscaras descartáveis cirúrgica vendidas nas grandes superfícies tem um nível de proteção inferior a uma máscara social certificada. As pessoas desconhecem esta realidade", assevera. "Nunca podemos acreditar que na nossa vida os lobbies das marcas não tenham influência nas decisões e na maneira como as mensagens são transmitidas às pessoas", diz Carmen Lima. Acima de tudo, "há desinformação sobre os equipamentos de proteção individual, os níveis de proteção e as classes. Penso que o que se passa é essencialmente isso. O que se deve informar é que deve haver uma higienização das máscaras quando são sociais, mas as descartáveis também devem deixar de usadas, quando o seu uso diário é alcançado", afirma Carmen Lima.
"Eu, nesse aspeto, posso falar com propriedade porque trabalhei com Segurança e muitas máscaras descartáveis não são certificadas. Portanto, muitas delas são exatamente iguais a máscaras feitas em casa por uma costureira", prossegue. Questionada se o Governo poderá ser também culpado por esta desinformação, Carmen Lima acredita que tal possa suceder.
"Os próprios políticos e representantes do Governo poderão passar uma mensagem errada aos portugueses quando usam máscaras descartáveis. Há uns meses, os membros do Governo usavam máscaras reutilizáveis, inclusive com o logotipo do Governo, ou de outros órgãos que representavam. O que eu acho é que deveria haver uma mensagem de confiança. O uso de máscaras descartáveis por membros do Governo passa a ideia de que aquelas é que devem ser as máscaras a usar. Sem outra comunicação, a imagem fica condensada principalmente a isso", conclui a coordenadora da Quercus, não negando a importância das máscaras FFP2 e as chamadas "Bico de Pato", principalmente para quem necessite de estar ainda mais restrito.
O que está aqui em questão é: conseguirá o planeta aguentar ainda mais um golpe e sustentar o peso da pegada ecológica deste tipo de máscaras a uma escala global, quando, na verdade, se pode, na maior parte dos casos, usar máscaras eficientes, e nalguns casos com 50 ou menos pegada ecológica sobre o planeta?
Estamos a falar de um valor de uma pegada ecológica 98% inferior das máscaras sociais na poluição do planeta.