A cimeira do clima de Madrid falhou. A próxima será melhor?
Há mais adjetivos (frustrante, dececionante, falhada) para descrever a cimeira do que conclusões práticas dos seus trabalhos. Foi adiado um ano, para Glasgow, o acordo sobre emissões poluentes.
Foi a mais longa cimeira de sempre, desde que se iniciaram estas negociações sobre regulação climática, há 25 anos. Durou mais 40 horas do que estava previsto. A Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas começou no dia 2 de dezembro e deveria ter terminado na sexta-feira, 13, mas só ficou concluída na manhã de domingo, 15. No final, 90% dos negociadores indicados pelos quase 200 países já tinham viajado para casa, deixando na Avenida do Pártenon da capital espanhola apenas os responsáveis por redigir um acordo difícil de explicar.
No domingo, os negociadores que ficaram em Madrid tinham olheiras, os trabalhadores do IFEMA (recinto de feiras, como a FIL de Lisboa) já recolhiam partes do cenário. Nas ruas à volta, que estiveram cheias de manifestantes nos dias anteriores, já não se via qualquer empenho. A COP25 acabou, venha daí, em 2020, a COP26. Tudo seria normal se o lema desta reunião não fosse "é tempo de agir".
A análise fica mais simples se medirmos a fiabilidade do slogan. A urgência era clara: em 2019 teria de haver um compromisso claro que reforçasse os objetivos decididos no Acordo de Paris, quanto à política para limitar o aquecimento global (quantificados numa expressão ambiciosa, "bem abaixo" dos dois graus Celsius no século XXI, que já aqueceu, em média, mais de um grau até agora).
O que esperar da próxima cimeira?
Em Madrid foi impossível chegar a esse compromisso. Só foi possível adiá-lo mais um ano, para a cimeira de Glasgow, em 2020. Aí se espera que cada país estabeleça planos concretos para as emissões de carbono, bem como negociar um novo sistema, transparente, de negociações no "mercado de carbono". Este ano será também o recordista nas emissões mundiais de gases com efeito estufa, outra matéria em que não foi possível chegar a qualquer acordo.
Só que depositar muitas esperanças em Glasgow não é prudente. Até agora, alguns dos maiores emissores de carbono estão em falta com o compromisso que assumiram em Paris, em 2015. E a geopolítica de Madrid é autoevidente: do lado dos que diziam "não" ao compromisso estavam os EUA, o Brasil, a Índia e a China; do lado oposto estava uma coligação de pequenos Estados insulares (os mais afetados pelos efeitos das alterações climáticas, como a subida do nível das águas) e a União Europeia.
Mesmo que Glasgow venha a ser, como Madrid não foi, um encontro produtivo, há um empecilho enorme no horizonte para 2020: os EUA vão abandonar o Acordo de Paris no dia 4 de novembro do próximo ano, um dia exato depois das eleições presidenciais que escolhem o eleito para a Casa Branca.
A pressão dos movimentos ambientalistas
Há, no sentido inverso, um compromisso mais ambicioso da União Europeia para um futuro de "carbono zero". A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, anunciou na quarta-feira o projeto de tornar a Europa no primeiro continente neutro em carbono em 2050. Mas também aí há um senão: a Polónia fica de fora desta política comum, e é um dos países mais dependentes do petróleo.
Para o ano, em Glasgow, a cimeira da ONU terá uma pressão acrescida. A força dos movimentos sociais ambientalistas não tem parado de crescer. Greta Thunberg é a figura do ano que passou, neste domínio. Mas a mobilização jovem (sem precedentes num tema global) não chegou para que, em 2019, os líderes políticos se empenhassem num acordo.
As associações ambientalistas Oikos e Zero apontam uma falha primordial: "Depois de um ano em que o mundo assistiu a uma mobilização sem precedentes pedindo urgência na ação climática, os líderes da COP25 falharam em intensificar a ação climática de acordo com o objetivo de 1,5° C do Acordo de Paris", acusam, considerando que a COP25 ofereceu aos governos a "oportunidade perfeita" para elaborar em detalhe planos para aumentar até 2020 a ambição nacional climática e que "esses planos deveriam descrever a resposta dos governos à emergência climática e à ciência climática e como iniciarão a transformação social".
Os ambientalistas acusam os principais países emissores de "recuar" nos compromissos e os países ricos de "recusar" a promessa de fornecer financiamento.
Portugal tem alguma autoridade neste debate, sendo atualmente o quinto país europeu mais avançado na "descarbonização". O ministro do Ambiente tem, por isso, um discurso crítico sobre os trabalhos da cimeira de Madrid. João Pedro Matos Fernandes explicou à Lusa porquê: "Desde o primeiro dia que de facto esta COP tinha pouco para discutir. Mas o que é facto é que no pouco que tinha para discutir, ou sobretudo no pouco que tinha para concluir, não concluiu. E nesse aspeto sabe de facto a muito pouco."
O que fica da cimeira que passou
Estas foram, segundo um trabalho da agência Lusa, as principais conclusões da cimeira de Madrid:
1. O acordo final pede um aumento da ambição dos compromissos de luta contra as alterações climáticas, seguindo o calendário marcado pelo Acordo de Paris. Cria as bases para que em 2020 os países apresentem compromissos de redução de emissões de gases com efeito estufa mais ambiciosos.
2. Reconhece que as políticas climáticas devem ser permanentemente atualizadas com base nas informações da ciência. Também reconhece o papel do Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), referindo os dois relatórios publicados neste ano sobre o uso do solo e dos oceanos.
3. A cimeira confirmou que a luta contra as alterações climáticas é uma questão transversal que envolve matérias que vão das finanças à ciência, da indústria à energia, dos transportes às florestas ou agricultura.
4. Reconhece a importância dos oceanos no sistema climático e como resposta aos relatórios do IPCC ficaram acordadas duas iniciativas para 2020, uma sobre oceanos e outra sobre o uso da terra.
5. Concordou com um novo Plano de Ação de Género, para incrementar a participação das mulheres nas negociações internacionais do clima, desenvolvendo medidas que permitam dar respostas à forma diferente como as alterações climáticas afetam as mulheres e as crianças. O plano terá uma vigência até 2025, quando é revisto.
6. O acordo contempla que se deem diretrizes ao Fundo Verde do Clima para que, pela primeira vez, se destinem recursos para perdas e danos dos países mais vulneráveis aos fenómenos climáticos. Este era um dos pedidos mais insistentes dos pequenos Estados insulares e que são mais afetados. Supõe aumentar o âmbito do financiamento do fundo além das ações de mitigação e adaptação.
7. Insta os países desenvolvidos a proporcionarem recursos financeiros para ajudar os países em desenvolvimento. Cria-se a Rede Santiago, que permite canalizar assistência técnica de organizações e especialistas para esses países vulneráveis.
Fonte: "Paulo Pena - DN"