É urgente descartar um “estilo de vida assente na descartabilidade”
Will McCallum é o responsável para os oceanos na Greenpeace do Reino Unido. No livro Viver Sem Plástico expõe o problema e foca-se nas soluções. É “uma chamada à luta” que mostra o que cada um pode fazer numa crise que “só se resolve com a ação de todos”.
De palhinha na boca, enquanto seguram um copo de plástico — um novo todas as manhãs —, satirizam: “E é por eu começar a beber de uma caneca que vou salvar o mundo?” Do outro lado, o colega de trabalho, o amigo, o familiar, o desconhecido que lançou o alerta para o excesso “desnecessário e problemático” de plástico descartável congela por segundos. É aqui, e em muitas outras interações semelhantes a esta, que entra o Viver sem Plástico — Guia para mudar o mundo e acabar com a dependência do plástico, escrito por Will McCallum, o ativista responsável pelos oceanos na Greenpeace, no Reino Unido.
O livro nada mais é do que uma pancadinha nas costas a quem “luta diariamente contra a maré de poluição” e um empurrão (de incentivo) com a outra mão a todos os outros que ainda alimentam a “sopa de plástico em que os oceanos se estão a tornar”.
Dê-se razão aos mais céticos: o poder real das ações individuais é “muito limitado”. E, mesmo assim, o ativista escreveu um livro inteiro sobre elas — sem cair em qualquer contradição. “Precisamos de um movimento global constituído por mil milhões de atos individuais”, ri-se. Atenção: dos habitantes da “mais pequena aldeia” até aos habitantes do “arranha-céus mais altos”, isto é “uma chamada à luta”.
“Não é justo passarmos toda a responsabilidade para cima dos cidadãos”, defende, em entrevista ao P3. “É por isso que este livro não se restringe às iniciativas que pode aplicar em casa”, mesmo que não as deixe de lado.
O “maior poder que cada um de nós tem”, no entanto, é “o de denunciar os maus exemplos de empresas e governos”. “Obrigá-los a responsabilizarem-se. Reclamar quando vê algo que não gosta”, aconselha. O que não é o mesmo que dizer que, depois de convencer todos os estabelecimentos comerciais da zona onde mora a proibirem os sacos de plástico, possa celebrar com uma festa onde sirva os convidados em pratos descartáveis e ir dormir de consciência (ambiental) tranquila. Não são “ações mutuamente exclusivas”, resume o ativista.
Há já três anos que McCallum leva sempre o mesmo tema para a mesa de reuniões onde se senta com membros do governo e responsáveis por empresas do sector privado. É ele que lidera a campanha global da Greenpeace que pretende criar na Antárctida a maior área protegida na Terra. A nível nacional, no Reino Unido, onde vive, supervisiona as ações da organização não-governamental pelo ambiente relacionadas com a proteção da vida marinha e com o sector piscatório. Tem experiência em negociações políticas, lobbying e no desenvolvimento e implementação de políticas públicas. Formou-se em literatura e linguística (iraniana e persa) na Universidade de Oxford e começou um doutoramento em filosofia política.
O ativista arrancou com a campanha dedicada à poluição causada pelo plástico ao aperceber-se de uma divergência entre quem, “na nossa sociedade, parecia ser responsável pelo problema” da crise do plástico e “quem realmente deveria ser responsabilizado”. Com espanto, começou a perceber que a maioria das campanhas e da comunicação na esfera pública parecia não admitir” que “os produtores de embalagens de plástico estão a fabricá-las em doses industriais” sem que façam “qualquer planeamento sobre o destino a dar às mesmas”. Os responsáveis políticos, “pura e simplesmente, não estão a fazer tudo o que deveriam para obrigar os produtores a assumirem a sua responsabilidade”, acusa, na página 31 do Viver Sem Plástico, o guia editado pela Penguin Books que está desde final de Agosto nas prateleiras das livrarias portuguesas.
Não duvida: são urgentes “alterações bastante radicais” e “medidas proibitivas”, conseguidas apenas com a reunião do triângulo “cidadãos individuais, Estado e empresas”.
O alerta dado por aquela pessoa hipotética no início do texto, é um exemplo disto mesmo: “um reforço da mensagem, no seio da própria comunidade” que ajudou “a despertar tanta atenção para este problema”. A maior diferença desde que começou, há três anos “é o crescimento massivo da sensibilização do público para o assunto”. A investigação científica sobre as consequências reais do problema ainda é parca, “mas também tem vindo a aumentar”. Agora, é “fundamental não perder o ímpeto”.
Pergunte antes: “como posso ajudar?”
Fala-se muito em reciclar, quando há outros dois “R’s” à espera de serem postos em prática: reduzir e reutilizar. Considere ainda um outro: rejeitar sempre que possível. E, se a pessoa a quem disse “Não, obrigado” não entender porquê, explique as suas razões. McCallum reitera que “não haverá nenhum sistema de gestão ou de reciclagem de resíduos à face da Terra capaz de processar a quantidade de resíduos que produzimos, sem provocar significativos impactos ambientais”. Pensar nisto “não é uma boa solução a longo prazo”, nem tampouco exequível “à escala mundial”.
Antes, é urgente descartar um “estilo de vida assente na descartabilidade”. Parar a produção de plástico significa, automaticamente, haver “menos plástico em circulação”. Isto engloba ainda os bioplásticos e os plásticos feitos a partir de biomassa, avisa a Greenpeace. Oito capítulos do guia são dedicados a sugerir alternativas para uma vida útil mais longa ou que não necessitem de uma embalagem. Tarefa simples, já que a “vasta maioria não é sequer necessária” (salvo raras exceções).
É possível usar — e inspirar outros a fazê-lo — recipientes recarregáveis e, quando isso não é viável, considerar fazer o próprio produto (o livro apresenta uma possível receita de pasta de dentes e há muitas formas de fazer o próprio detergente da louça ou da roupa, mais ecológico). Comprar menos e lavar menos vezes a roupa, a temperaturas baixas e dentro de sacos próprios que retenham as microfibras, é outra das sugestões. Ir às compras com sacos reutilizáveis debaixo do braço é já comum. “Pouco mais há a dizer sobre os sacos de plástico além do facto de que deveriam ser remetidos para os livros de História como uma moda outrora útil, mas agora redundante”, atira. Dê um passo em frente: não use sacos para conter a fruta e legumes e leve embalagens de vidro para a carne, o peixe e o queijo. Fale com o gerente da loja para considerarem a venda de produtos a granel, para além dos frutos secos.
Se quiser envolver a comunidade onde vive, Will explica passo a passo como organizar uma limpeza de praias, como organizar uma campanha, como escrever uma carta, como dirigir uma reunião, organizar um protesto, entregar uma petição, como chamar a atenção dos órgãos de comunicação.
“Aceitar que as alterações que introduzimos ao nosso planeta já o tornaram irreconhecível” - os geólogos chamam-lhe antropoceno - é um comprimido difícil de engolir. “Manter a motivação” é uma das “maiores dificuldades de um ativista ambiental. Mas Will McCallum aprendeu a “ser resiliente”. E a ver o lado positivo de uma “crise demasiado assustadora”: “O movimento de desplastificação está a começar a criar a visão de uma sociedade que conjuga esforços a fim de criar um mundo melhor para as gerações vindouras.”
“Estou habituado a trabalhar em campanhas em que a mudança é gradual e o interesse público baixo.” No entanto, diz “nunca” ter conhecido alguém que não se interessasse por este tópico. “Numa campanha ambiental, é muito raro sentirmos que estamos do lado dos vencedores.” Nesta, antiplástico, é assim que se sente? “Ainda estamos muito longe de gritar vitória.”
Fonte: Público