Mais que um atentado. Um dia de terror e morte em Barcelona
Ataque nas Ramblas pôs em estado de alerta a cidade, numa altura em que esta recebe a visita de milhões de turistas.
"Ouvi um barulho que parecia o som de madeira a quebrar-se. Quando me voltei, percebi que era o barulho de várias pessoas a serem atropeladas. Foi tudo muito rápido. Vi uma carrinha branca, com dois indivíduos, a atropelar toda a gente que lhe aparecia à frente", contou-nos Carlos, de olhar abalado e mãos ainda a tremer, como o próprio fez questão de mostrar. Antes de procurar abrigo num estabelecimento comercial, este equatoriano ainda viu os terroristas saírem disparados pela rua abaixo, em direção ao Mercado da Boqueria, em Barcelona, onde o veículo acabaria por se imobilizar. "Meteram-se pelas Ramblas e aceleraram a toda a velocidade. Deviam ir a mais de cem quilómetros por hora", disse o equatoriano.
Pouco tempo depois de o DN recolher este testemunho, as informações oficiais começaram a confirmar o rasto de destruição deixado pelos terroristas, cuja ação foi entretanto reivindicada pelo Estado Islâmico (através da agência AMAQ - o seu veículo mediático). Ao início da noite estavam já confirmadas 13 vítimas mortais e mais de uma centena de feridos, 15 dos quais em estado grave. Barcelona não vivia uma situação destas desde 1987, num atentado perpetrado pela ETA em que morreram 21 pessoas.
Um incidente posterior e, aparentemente, relacionado com o sucedido em Barcelona culminou com um tiroteio em Sant Just Desvern, pequena localidade situada a cerca de dez quilómetros do centro de Barcelona. Um suspeito ignorou um controlo policial e foi perseguido pelas forças de segurança até à entrada dessa mesma localidade, acabando por ser abatido. Pelo meio, atropelou um agente policial.
O acesso ao centro da cidade esteve encerrado durante praticamente toda tarde e início da noite, tendo as autoridades formado vários cordões de segurança. Era junto a um desses cordões que Carlos esperava pelo reencontro com a família, de quem se havia perdido durante a confusão. "A minha mulher, irmã e sobrinhos ficaram retidos lá dentro", explica este residente em Barcelona há vários anos, que conseguiu escapar-se pelas traseiras do enorme El Corte Inglés que se destaca junto à Praça Catalunha. "Vi uma rapariga equatoriana com a cabeça rachada, várias pessoas a sangrar, muitos gritos... Nunca irei esquecer este cenário", relatou.
Como Carlos, muitos outros ficaram separados dos seus entes queridos durante algumas horas de agonia. Ali ao lado, um grupo de pessoas acalmava um jovem desesperado por notícias da irmã, que também estava retida dentro do perímetro de segurança.
Telemóvel em punho
Volta e meia, o burburinho era interrompido pelo som de sirenes de ambulâncias ou de carros da polícia. Enquanto vários helicópteros patrulhavam os céus, eram muitos os curiosos que patrulhavam as ruas, de telemóvel em punho, em busca de momentos para registar em vídeo, contrariando o apelo das autoridades para que não fossem partilhados registos que "publicitassem" a tragédia.
Lentamente, começaram a surgir os primeiros "reféns" do cordão de segurança. À medida que a situação parecia ficar controlada, a polícia ia libertando as pessoas que tinham procurado refúgio em lojas ou restaurantes daquela zona comercial.
Eudald estava calmamente às compras na FNAC da Praça Catalunha, onde a carrinha iniciou o seu percurso devastador, quando se apercebeu do que se estava a passar. "Estava no segundo piso quando comecei a ouvir gritos. As pessoas entraram em pânico. Não cheguei a ver a carrinha, apenas vi toda a gente deitada no chão", explicou ao DN este jovem catalão, que esteve mais de um hora encarcerado na loja até receber ordem para sair.
Dois suspeitos foram detidos, entre os quais o marroquino Driss Oukabir, que tem nacionalidade francesa e vive legalmente em Espanha. Segundo o jornal La Vanguardia, o suspeito foi detido quando se dirigia para se apresentar à polícia, depois de ver a sua fotografia nas notícias. Oukabir argumentou que a sua documentação, utilizada para alugar o veículo do crime, terá sido alegadamente roubada.
As autoridades estavam, entretanto, a investigar a possível relação entre os acontecimentos em Barcelona e uma explosão sucedida na noite de quarta para quinta-feira na localidade de Alcanar, a 200 quilómetros da capital catalã. A explosão ocorreu numa moradia e no seu interior foi encontrado um número "surpreendente" de botijas de gás butano, que poderiam ser utilizadas como engenhos explosivos.
Impacto no turismo
Estima-se que Barcelona vá receber mais de dez milhões de turistas só em 2017, tratando-se de um dos destinos mais procurados na Europa. Um atentado perpetrado nesta cidade, em pleno mês de agosto, poderá ter fortes consequências nesta atividade, tão influente na economia como polémica pelas queixas que tem originado dos cidadãos locais nos últimos tempos.
Rafael Lisboa, brasileiro a passar férias em território catalão, garantiu ao DN que vai cancelar todas as atividades que tinha planeado para os próximos dias. "Neste momento, o último sítio em que queremos estar é em sítios turísticos. A vida continua, mas enquanto este susto não passar, prefiro nem sair de casa", atirou, enquanto aguardava por permissão da polícia para - ainda que com "muito medo", admitiu - regressar ao AirBnb que tem marcado até ao final da semana. E Rafael não será certamente o único a ver os seus planos furados, até porque as autoridades prometem reforçar as medidas de segurança nos próximos dias. O modus operandi deste tipo de atentados, uma réplica dos que ocorreram em Nice (86 mortos, 2016), Berlim (19 mortos, 2016), Estocolmo (5 mortos, 2017) e Londres (oito mortos, 2017) assim o exige.
Um dia negro em que o terror inundou as ruas de Barcelona. Este foi o primeiro atentado jihadista com mortos em Espanha desde o fatídico 11 de março de 2004, que vitimou 191 pessoas na Estação de Atocha. Os espanhóis até estão habituados a atos terroristas pelo grupo separatista basco, a ETA, que entretanto abandonou a sua luta armada. O seu último atentado com vítimas mortais, em território espanhol, data de 16 de março de 2010.
Em Barcelona
Fonte:DN