Há escassez nos materiais de construção. Preços disparam acima de 35%
A manter-se a tendência observada desde o início deste ano, profissionais da atividade estimam que os prazos das obras vão derrapar. Admitem que os preços das habitações possam também ficar mais altos.
As empresas de construção estão desde o início do ano a enfrentar uma escalada nos preços das matérias-primas, situação que pode fazer disparar os custos das obras e, por consequência, das casas. A procura de materiais é elevada, mas bate-se com a escassez de oferta, o que está a provocar um efeito inflacionário. Há falta de madeira para os trabalhos de carpintaria, de aço para a execução das estruturas dos edifícios, de PVC e alumínio para os tubos e janelas. O problema tem uma dimensão global. Em Portugal, as construtoras já admitem que, a manterem-se estas subidas, não será comportável para as empresas assumirem o diferencial.
Segundo revela Reis Campos, presidente da Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN), os preços de referência do varão para betão, material essencial para as edificações, registaram já variações médias superiores a 35% devido à forte escalada nos mercados internacionais de matérias-primas. Aço, alumínio ou cobre "estão a atingir máximos históricos", sublinha. Este mês, o preço da tonelada de cobre em Londres apresentou um aumento de 30% face ao início do ano.
Tendência é para subir
Nuno Garcia, diretor-geral da gestora de obras GesConsult, confirma que, desde janeiro, se verifica "um encarecimento progressivo de algumas matérias-primas, acentuado a partir de março, nomeadamente na madeira, aço e PVC, fruto de uma procura intensa não só da construção civil, mas de toda a indústria". Segundo o gestor, as empresas estão a ser confrontadas com "uma subida de preços de entre 30 e 50%, com tendência para aumentar nos próximos meses".
Os prazos das obras podem ficar comprometidos pelos atrasos nas entregas e os custos finais bastante inflacionados, frisa Nuno Garcia. À AICCOPN, as empresas têm reportado dificuldades nos fornecimentos de diversos materiais de construção, como varão para betão, perfis metálicos, madeira, alumínio, cobre e materiais que incorporam produtos derivados do petróleo, como os betuminosos.
Atividade não parou
O setor da construção foi um dos poucos que se mantiveram sempre no ativo, mesmo nos períodos de confinamento, e com bons ritmos de atividade. Como lembra Nuno Garcia, "o consumo de cimento aumentou 10,6% em 2020, uma percentagem que não se conhecia desde 2011". E já no primeiro trimestre do ano registou um incremento de 10,8% face ao homólogo.
Todas estas dificuldades têm um ponto de partida: a covid-19. Como aponta Reis Campos, "a pandemia gerou uma dupla disrupção, quer ao nível da oferta, quer da procura, da quase totalidade da cadeia produtiva, com repercussões a uma escala sem precedentes - dificuldades nas cadeias de logísticas, períodos de confinamento, restrições à circulação...". Nuno Garcia recorda que, logo no deflagrar da crise sanitária, as indústrias travaram a produção face à perspetiva de uma queda abrupta da procura, o stock foi consumido e, quando foi preciso repô-lo, os fabricantes ainda não estavam a trabalhar no ritmo normal.
Efeito do PRR
Afinal, a recuperação da atividade económica foi mais rápida do que estimado, "o que intensificou a procura de materiais e fomentou a subida dos preços", justifica o gestor. Na sua opinião, a fileira da construção e do imobiliário está a "usar algum bom senso na gestão deste tipo de flutuações do mercado, mas a subir da forma que se tem assistido nos últimos meses, não será comportável para as empresas assumir diferenciais tão grandes". Nuno Garcia admite que, a médio prazo, os preços dos materiais venham a sofrer um ajustamento em baixa, "mas não para os valores que tínhamos em janeiro deste ano". E lembra que os planos de recuperação e resiliência europeus poderão agravar esta situação, uma vez que contemplam apoios específicos para a construção de habitações, como é exemplo o plano português, "que vão ficar mais caras".
A Associação Portuguesa dos Comerciantes de Materiais de Construção (APCMC) defende que "ainda não é visível no mercado a falta" de produto, mas a "previsão é que essa situação venha a ocorrer nos próximos meses". Segundo o secretário-geral da APCMC, José de Matos, "os efeitos da pandemia provocaram o encerramento ou redução da atividade de muitas destas empresas em alguns mercados, e estas situações estão a contribuir para a escassez de determinados componentes, o que provoca atrasos na produção". O responsável adianta que os dados do último inquérito de conjuntura da associação, relativos ao primeiro trimestre de 2021, permitem concluir que 92,5% das empresas (armazenistas e retalhistas) consideram que o nível de atividade está bom ou satisfatório face aos últimos três meses de 2020.
Os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística revelam que, em março, os custos de construção de habitação nova aumentaram 5,1% face ao mês homólogo. Já o preço dos materiais subiu 3,3%.