"Princípio, meio e fim" de Bruno Nogueira já estreou e é diferente
O novo programa da SIC foi exibido ontem pela primeira vez. O programa da autoria de Bruno Nogueira, Nuno Markl, Salvador Martinha e Filipe Melo, era há muito aguardado pelos fãs dos humoristas.
É, afirmam os próprios comediantes, uma espécie de spin-off de "Como é que o Bicho Mexe", fenómeno das redes sociais, onde Bruno Nogueira e os seus convidados, em direto no Instagram, têm feito as delícias de muitos portugueses, ansiosos por momentos de escape cómico, nesta altura tão atormentada pela pandemia.
Ontem, para atestar a popularidade de Bruno Nogueira, na antecâmara para "princípio, meio e fim" no Instagram estiveram cerca de 60 mil pessoas à espera, em simultâneo, que o programa fosse para o ar. Nada que espante quem costuma seguir o "Bicho", forma carinhosa como os seguidores do programa o chamam. Bruno Nogueira chegou a ter mais de 100 mil pessoas a ver os seus diretos no passado, num ato que desafia aquilo que é o conceito mais tradicional do horário nobre.
Durante meses e meses a fio "Como é que o Bicho Mexe" andou a competir diretamente com as audiências dos principais canais portugueses, a SIC, incluída, estação que haveria por contratar Bruno Nogueira.
CAMADAS
Ontem, aconteceu, pode, se calhar dizer-se, história na televisão portuguesa. Uma verdadeira experiência envolvendo redes sociais e televisão, num formato de fusão que poderá muito bem ser a salvação para a tão antiga "caixa mágica" que é a TV.
E que melhor maneira de o fazer, se não com um projeto experimental? Os autores do programa estavam perfeitamente cientes do risco. O horário a que passou era a prova viva disso mesmo. Meia-noite não é propriamente a altura em que está a família toda a olhar para a TV.
Haverá certamente quem tenha gostado do programa, quem tenha odiado, mas uma coisa é certa, Bruno Nogueira, mais uma vez ajudou a reformatar aquilo que é o estereotipo tão apertado do que é tolerável ter na televisão.
O PRINCÍPIO DO PRINCÍPIO
"Princípio, Meio e Fim" mostra o processo criativo da criação de um argumento para televisão, numa corrida contra o tempo. Os autores autopropuseram-se escrever no máximo em duas horas o roteiro de cada episódio, sendo todo o processo documentado.
A seguir, o episódio é realizado, independentemente de ter sido bem conseguido ou não e, mais cómico do que isso, de estar bem escrito ou não. É um verdadeiro desafio de interpretação para os atores, entre os quais Nuno Lopes, Bruno Nogueira, ele mesmo, Albano Jerónimo, Rita Cabaço e Jéssica Athayde, que acabam por apenas saber qual é a história a escassos momentos de a terem de gravar.
Na realização está Cristiana Miranda e Sandra Faria que também têm de fazer face a uma complicada produção como a deste género.
Dá a ideia de que "Princípio, Meio e Fim", como exercício artístico em si mesmo, é um conceito muito sofisticado e refrescante. Não que a meta-narrativa, como acontece neste programa, nunca tenha sido explorada antes. Já Ricky Gervais o havia feito em "Extras" e até o próprio Bruno Nogueira com "Odisseia" na RTP.
Desta feita há um toque de reality-show, mas, mais uma vez, nem isso é completamente original na televisão. Nada o é, nem nada pode ser para se dizer a verdade. Já tudo foi inventado, em abono da verdade, como, ironicamente e por mais lugar-comum que seja, se diga. A exibição do processo da pré-produção e da produção já havia sido feito pela RTP no programa "Fá-las Curtas", desmistificando um bocado o que é este meio. Mas o que torna "Príncipio, Meio e Fim" tão original à primeira vista, acaba por ser o calcanhar de Aquiles. O poder do improviso, a "beleza do erro", como Bruno Nogueira elenca, acaba também por, de certa forma, terminar com aquilo que em narrativa audiovisual é tão importante, a "suspensão da descrença", um conceito intimamente ligado com a ligação empática dos espetadores com qualquer história.
O ERRO
O episódio esteve repleto de gralhas, perfeitamente naturais se atendermos que foi um texto escrito a oito mãos, com os escritores de pé, a falar, sem hierarquia de trabalho definida e com a pressão do tempo.
Independementemente disso, por falar-se em história, fez-se História, no humor e nas formas de contar narrativas, arte tão antiga quanto a humanidade. Bruno Nogueira e os seus pares, mais uma vez podem rejubilar por fazerem de novo parte disso.
É nisso que para o bem e para o mal torna Bruno Bogueira, não só num humorista, mas também num artista. Se Ricardo Araújo Pereira é um humorista, uma espécie de filósofo e um historiador genial, Bruno é mais disruptivo, mais irreverente, mais sujeito a todas as coisas de que o risco está inerente... ao erro, e a marcar uma geração inteira...
Se, porventura houvesse um Andy Kauffman português, esse homem sem sombra de dúvidas seria Bruno Nogueira. Mas ele é mais do que isso!
Texto: Stephane Oliveira