"Nas crises estão normalmente as grandes oportunidades de negócio"
A Santo Tirso TV esteve a falar com José Melo, perito financeiro e corretor bolsista português atualmente a viver no Chipre, depois de antes ter estado em Londres.
O perito em questões económicas estudou primeiro Direito e tirou mestrado em Economia, área que realmente o apaixona.
Como está a viver este momento? Perguntamos-lhe. “Com a cautela e o desafio que isso acarreta”, diz-nos.
“Este momento de quarentena generalizada devido à Covid-19 obrigou a fechar muita coisa e isso alterou por completo o padrão de ação do indivíduo como agente económico que procura bens e serviços.
A economia sofreu um grande bloqueio. Simultaneamente tivemos o processo do Brexit e a consequente saída do Reino Unido da União Europeia. Segundo as projecções do Fundo Monetário Internacional, em média, a economia mundial vai ter um declínio do PIB em termos reais a rondar os -3% e nas economias avançadas de -6,1%.”
Para José Melo, a bolsa refletiu todas as ansiedades inerentes a uma crise pandémica como esta. “O mercado bolsista, em termos estatísticos, foi praticamente um espelho do que estava a suceder no que diz respeito aos picos e descidas do crescimento do novo coronavírus”.
Mas investir em tempos de crise é o segredo do sucesso financeiro de muitas pessoas.
IV REVOLUÇÃO INDUSTRIAL
“Neste momento de maior instabilidade, creio que estamos a viver o momento da IV Revolução Industrial que creio ter recebido um incentivo muito alto com o momento atual, agora em que as economias conseguem acelerar os processos de produção de bens e serviços, utilizando tecnologias mais rápidas”, afirma o perito financeiro.
Há sectores da economia que também beneficiaram do facto das pessoas na sua generalidade terem que ficar em confinamento. “Como exemplo, podemos sempre referir o caso da Amazon que durante o tempo da quarentena teve um aumento exponencial nos seus serviços, outros foram por questões típicas do momento, como foi o caso da Netflix, e o caso da Zoom”, refere.
CRISE, E MOMENTO DE OPORTUNIDADE
Esta situação insólita na história do Ocidente ainda não está terminada e embora com todas as vicissitudes que possa trazer, pode também oferecer grandes oportunidades de negócio.
“A Covid é um capítulo que ainda não está fechado. Na Europa quase todos os países começaram a abrir as portas a partir de hoje, mas enquanto não se descobrir a vacina, vamos estar a caminhar em terrenos completamente novos, portanto haverá sempre um bocadinho de preocupação sobre qual será o impacto da segunda onda da doença, sendo de referir que na semana passada o responsável do Tesouro Americano, Steve Mnuchin disse, por exemplo, que a economia americana não tem capacidade de voltar a aguentar um segundo processo de quarentena”, afirmou.
É uma afirmação forte. Como seria o impacto de uma segunda vaga? As consequências serão imprevisíveis e só as pessoas mais atentas e informadas poderão antecipar o sentimento colectivo de compra e venda de ativos.
Uma das formas de ganhar dinheiro na bolsa é o chamado “short-selling”. Perante a incerteza, muitas empresas poderão perder valor de mercado e isso traduzir-se-á em dividendos em quem apostar no momento certo dessas descidas.
José Melo considera que este investimento, é bastante mais arriscado, até porque “implica maiores volumes de capital”, mas afirma que é uma forma viável para aproveitar o pânico generalizado na economia.
ECONOMIA OU SOCIEDADE?
Economia e sociedade andam invariavelmente de mãos dadas e, a partir de agora em diante, o paradigma em muitos países poder mutar-se, com todas as consequências que isso possa ter. “Já começam a haver alguns países com a preocupação de colocar a Economia acima da Saúde, pois nesses países, tendo em conta a sua estrutura económica, entendem pelo menos os líderes, que o custo social e económico da quarentena é superior ao custo do que ter as portas da economia abertas”, afirma.
“Nalgumas economias terá a sua lógica e creio que dentro de determinadas estruturas essa linha de pensamento tem algum contexto”, prossegue.
QUEM PAGA A CRISE?/RISCO CALCULADO?
“Desde a crise de 2007/2008 um dos grandes problemas económicos foi encontrado em produtos estruturados de dívida do lado privado. A forma que se arranjou de se resolver o assunto foi de transferir do privado para o público. Ou seja, quem ficou responsável foram os Bancos Centrais ou Governos, mas em última instância acaba por ser o agente elementar que paga os impostos... Ou seja, o ónus destas crises passa para os contribuintes.
Atualmente esse problema, em termos gerais, não foi resolvido... só foi transferido de um lado pra o outro. Na minha opinião, não há resolução real e hoje em dia com a situação da Covid-19 o que estamos basicamente a ver é os Estados a suportarem a Economia, ou darem mais apoio a aumentarem dívida, ou a aumentarem linhas de crédito.
Por conseguinte, talvez o que eu veria como melhor opção, para os investidores privados fazerem neste momento seria investir em ouro, porque é sempre aquele substituto clássico da moeda”, acredita, talvez motivado pela crença que as principais moedas sofrerão uma forte inflação.
“Volatilidades no mercado representam sempre oportunidades tremendas em vários setores, tendo uma postura razoavelmente conservadora. Se calhar, para quem está atento à bolsa, estaria especialmente focado nas empresas que têm grande influência tecnológica tais como o Facebook, Apple, Amazon e Netflix, ou similares”, diz.
Mas não são as únicas. “No que diz respeito a empresas como a Tesla e similares apesar de serem empresas que apesar de estarem a criar grande inovação e a entrarem num mercado que eu nunca tinha esperado, devem obviamente ser assessoradas caso a caso, a ver se compensa, em função do portefólio que as pessoas tenham e o nível de risco que querem absorver”.
DIPLOMACIA
Para Miguel Melo não é só a economia que vai sofrer uma grande restruturação nos tempos vindouros. O tabuleiro político irá mudar com a crise da pandemia e já se fala numa segunda guerra fria.
“No que diz respeito à situação geopolítica eu diria que vamos entrar num momento de reconstrução”, afirma.
“Grande parte do poder geopolítico dos EUA assentava no facto de terem uma posição constante e forte no Médio Oriente e também uma posição bastante forte na zona do Pacífico em que funcionavam um bocadinho como “polícias do mundo” e em contrapartida, os países do Pacífico compravam dívida americana. Ou seja, basicamente existia um policiamento e o policiamento era pago através de dívida… Mas, atualmente a China quer começar a afirmar-se politicamente e militarmente como uma força capaz na região do Pacífico, reduzindo a capacidade geopolítica dos EUA”, diz.
“Também vemos a China a tentar afirmar-se no campo tecnológico, onde, por exemplo, temos esta nova querela do 5G da Huawei que tinha feito contrato com a Inglaterra e agora está com a situação a sofrer um revés. Há muita pressão estratégica americana que tem a ver com a velocidade da informação que proporciona um maior assédio, podendo levar a preocupações ao nível da segurança”, tece.
“Acho que vamos entrar numa zona muito fria em que China e os EUA vão comportar-se de forma a adiar conflitos para poderem preservar o respeito entre os dois países”, diz. “Em termos mediáticos, contudo, haverá certamente um “correr de tinta” de algumas querelas diplomáticas, mas tenho dúvidas que avance para muito mais do que isso”, acredita Miguel Melo.
“Parece-me que a grande preocupação da China não é tanto conquistar, mas ganhar uma posição de respeito, pois, em termos históricos, a China tem procurado obter mais respeito do que propriamente hegemonia”, conclui.