
Trabalhar para o bronze prejudica gravemente a saúde
Podem ser avistados na praia, sempre que o sol dá o ar da sua graça, mesmo em época baixa, à saída dos solários, que os dermatologistas preferiam ver de portas fechadas, ou nas páginas das revistas cor-de-rosa, onde o bronze rivaliza com o ouro em matéria de cor de pele e estatuto.
No verão, torram ao sol, até (ou sobretudo) nas horas de maior incidência dos raios solares e muitas vezes sem qualquer tipo de proteção. Cremes, só se forem os bronzeadores. No inverno, frequentam solários. Essencial é manter o tom de pele moreno que consideram ser sinónimo de beleza e saúde.
Se durante séculos e séculos a pele branca distinguia a nobreza e era sinal de estatuto, por oposição à pele bronzeada da plebe trabalhadora, em meados do século XX, a ideia de que o sol quando nasce é para todos parece ter vingado, pelo menos como tendência estética, e o bronze assumiu-se como tonalidade dos bonitos e privilegiados.
É certo que uma pele dourada dá um ar mais saudável e robusto, mas também é verdade que, sem os devidos cuidados, a exposição ao sol e aos raios ultravioleta danifica-a, é fator de risco elevadíssimo para os diversos tipos de cancro de pele, nomeadamente o melanoma, o mais grave e mortífero, e envelhece-a precocemente.
Sim, ironicamente, quanto mais bronzeada é a pele, menos bonita se torna à medida que o tempo passa. Além do risco de cancro cutâneo, as rugas, as manchas e a pele seca são o outro lado da moeda de um bronze permanente, seja obtido naturalmente, ao sol, ou artificialmente, numa cama de solário.
Ainda assim, há quem pareça não se importar de pagar o preço, como há quem fume, apesar dos avisos contidos nos maços de tabaco que gritam, a cada cigarro acendido, que aquele prejudica gravemente a saúde, causa cancro de pulmão, provoca obstrução das artérias, mata. Vícios.
Ao vício de se manter bronzeado chamam tanorexia, palavra estranha, aparentada a anorexia, porque como este distúrbio, tratar-se-á de um transtorno dismórfico corporal (preocupação com um ou mais defeitos inexistentes ou subtis da aparência física, que causa forte angústia ou prejudica a capacidade funcional, segundo o Manual Merck, o livro de medicina mais vendido no mundo), em que as pessoas se veem com um tom de pele mais claro do que realmente têm e almejam e, portanto, perseguem obsessivamente o bronzeado (tan, em inglês) perfeito e constante.
“A tanorexia não constitui uma entidade diagnóstica/perturbação mental reconhecida oficialmente”, diz a psicóloga Ana Graça. “No entanto, esta condição, que ainda ninguém sabe bem se o mais correto será catalogá-la como adição ou compulsão, diz respeito ao bronzeamento excessivo que pode ser prejudicial a vários níveis, de saúde, emocional ou mesmo financeiro.”
A especialista esclarece que as evidências acerca desta condição são ainda muito escassas, mas “já há quem recorra aos serviços de saúde mental devido à perda de controlo e à preocupação excessiva com o bronzeamento”.
Num país ensolarado como Portugal, onde os solários têm porta aberta e estão por todo o lado, há razões para preocupação.
Em maio último, os solários saltaram para as primeiras páginas dos jornais, quando a Associação Portuguesa do Cancro Cutâneo (APCC) defendeu o seu encerramento, seguindo o exemplo do Brasil e da Austrália, e alertou para a evidência de que estes contribuem significativamente para o aumento do risco de cancro da pele.
“De uma vez por todas, as pessoas têm de interiorizar que os solários são indutores dos cancros de pele. Neste ano surgiram mais estudos internacionais, alguns em que Portugal participou, que demonstram a relação entre a exposição prévia a solários e o aumento de risco de todos os cancros de pele”, disse Osvaldo Correia, presidente da APCC, à Lusa.
Cecília Moura, dermatologista do Instituto Português de Oncologia de Lisboa, reforça a opinião do colega, reiterando que “são perigosos, acrescentam radiação ultravioleta à pele e não têm qualquer vantagem” – nem sequer estética.
Como frisou o especialista no Dia Europeu do Euromelanoma, ao contrário do que se quer fazer crer, a aparência de solário “não é nada saudável, não faz bem a nada e favorece riscos de cancro que poderão não ser hoje, mas podem ser amanhã. E o amanhã pode ser daqui por três, cinco ou dez anos”.
Segundo dados de 2012, os últimos existentes, cerca de 8% da população portuguesa frequenta solários. Para Osvaldo Correia, isso é gente de mais e uma razão acrescida para as autoridades de saúde portuguesas equacionarem o fecho destes estabelecimentos. “Mesmo que fosse apenas para evitar um ou outro caso de cancro já valia a pena”, disse o presidente da APCC.
Quanto ao sol, não podemos encerrá-lo, e ainda bem, mas podemos aproveitá-lo e usufruir dele e dos seus benefício de forma mais saudável.
Fonte: Diário de Notícias