Histórias da Revolução
A Santo Tirso TV esteve à conversa com algumas pessoas que passaram pelo terror do fascismo e mais tarde a experiência da liberdade. São 4 pessoas com histórias bastante diferentes, mas todos com algo em comum: a alegria de terem experienciado o 25 de abril.
(ARNALDO MATOS, 76 ANOS)
"No tempo do fascismo, o meu pai e eu éramos todos de esquerda. Eu lembro-me que púnhamos um copo de água em cima do rádio para ouvir a Rádio Moscovo. Tinha que pôr um copo de água para disfarçar… para o caso de estar ali a PIDE, ou vizinhos que nos pudessem acusar.
Em adulto, estive em Angola na tropa na guerra colonial, em Cabinda, na zona pior que havia naquela época. Eu tinha muitas histórias para contar, mas não saía daqui… Cabinda fica isolado entre o Congo belga e o Congo Brazzaville e o rio Zaire era ali ao lado… Os combatentes deles enfiavam-se ali e saiam para nos atacar. Camuflavam-se no meio da mata. Conheciam aquilo melhor do que ninguém. Nós mal conhecíamos. O que nos valia muitas das vezes eram os africanos, muitos eram nossos amigos. A gente dava-lhes também de comer e ajudava-os no que conseguíamos. Eles se soubessem de alguma coisa, avisavam-nos e nós estávamos prontos e atacávamos antes que os nossos adversários o fizessem. Uma vez um africano contou-nos como ia ser o ataque e o material que a frente inimiga tinha. Estavam cheios de armamento. O meu comandante ainda desconfiou, mas fomos atrás dele e à conta disso fizemos uma das maiores apreensões em Angola de todos os tempos.
Estava no batalhão 7-18 com o batalhão 7-21. Apreendemos todo o material que eles tinham... tudo armas russas e americanas. Se não não tivéssemos agido logo iam dar cabo de nós. A chave é que nós tratávamos os africanos bem e isso era muito importante, porque eles assim também nos ajudavam a recolher informações.
Fui logo para a guerra em 1964, pouco depois de a guerra colonial estalar. Regressei a Portugal antes do 25 de abril... em 1966. Quando a guerra acabou estava em França. Fiquei contente. Fiquei contente porque sabia realmente que se vivia mal em Portugal… Sou daqueles que emigrou para França. Peguei na minha filha de quatro meses ao colo e a minha mulher e fugimos pelo monte. Tive sorte porque tive o auxílio de um indivíduo. Orientou-me e guiou-me. Parei em Vilar Formoso e um tipo disse-me que com a criança ao colo ninguém ia desconfiar de nós. Ao parar em Vilar Formoso, a maior parte dos portugueses, como é a última estação, sai tudo fora para ir aos cafés, beber uma cerveja ou um copo de vinho, e depois perdiam o comboio… E a minha mulher estava atrás de mim e voltamos a entrar. Depois de Espanha para França é que foi mais complicado. Eu não podia saltar o muro da fronteira. Vi colegas a fazê-lo. Então, alguém perguntou-me: “Oh amigo… para onde é que você vai?”. Eu respondi: “Vou para França”. E ele de forma agressiva perguntou-me o que eu ia para lá fazer. Menti. Disse que ia passar férias à casa de um cunhado. Perguntou-me quem era a senhora ao meu lado. Respondi que era a minha mulher, mas não acreditou porque tinha um nome de família diferente do meu. Ela desatou a chorar. Depois trancaram-nos com a nossa filha num quarto e lá nos deixaram ir, mas só com uma licença de 28 dias para estar em França. Mais tarde éramos obrigados a voltar. Cheguei a França e passado um dia ou dois arranjei emprego. Fui ao consulado e fiz tudo. Preparei os papéis e fiquei logo fixo por lá.
Trabalhei na construção civil, mas foi duro. Comecei a estabelecer a minha vida e passado dois anos tirei a carta e ficamos com uma vida melhor.
A minha mulher arranjou um trabalho. Uma sobrinha tomou conta da minha filha e estive lá dez anos. Mais tarde fui para a Alemanha. Eram países muito diferentes do nosso. Acolheram-nos bem. A Segurança Social passado um dia ou dois sabiam que tínhamos uma criança. Apareceram-nos com um berço... com roupa. Eram mais avançados. Ainda hoje mantenho contacto com o meu antigo chefe na Alemanha.
Felizmente Portugal agora está melhor. Quando foi o 25 de abril senti uma alegria enorme, porque vi que aqui da maneira como o país estava na altura, não se podia viver".
(JOSÉ CARNEIRO, 65 ANOS)
"Quando se deu o 25 de abril senti muita alegria. Senti que foi o fim de um garrote que nos oprimiu durante muitos anos. Nasci em 1953 e testemunhei aquilo que foi um regime muito feroz. Acompanhei a evolução da oposição. Estive ligado, na altura, a um movimento em que aprendi a perceber melhor a situação em que vivíamos, que era a Juventude Trabalhadora (JT), e então comecei a ganhar consciência da situação, embora já tivesse uma grande revolta… Era uma revolta que ainda não era bem compreendida.
Entendi melhor qual era a situação também na Guerra do Ultramar e isso era uma preocupação muito grande, porque eu tive dois irmãos lá e era uma situação muito complicada para a família. Ter dois irmãos na guerra fui muito duro para mim e para os meus pais. Mas não me revoltei só pelo facto de serem meus irmãos. Também estavam lá outros amigos. Estavam lá pessoas a defender uma guerra injusta e sem sentido.
Era duro ver os meus amigos e irmãos partirem para uma guerra que nunca se sabia se voltavam. Eu lembro-me que a minha mãe – especialmente a minha mãe – sofreu muito por ter visto os seus filhos a partirem.
Eu tinha acesso a alguma informação, através da [revista] “Seara Nova” e de outro tipo de material, e possuía contacto com amigos que eram universitários e estavam mais ligados a esses movimentos democráticos.
Entretanto, surgiu o 25 de Abril e acompanhei com entusiasmo, com uma esperança grande de libertação. Isso marcou-me profundamente. Essa mudança… Eu ainda hoje sou defensor dos ideais de Abril. Por acaso, fui para o serviço militar no ano em que ocorreu o 25 de abril e a experiência ao nível do terreno permitiu compreender a essência do 25 de abril, e creio que esse é dos aspetos mais marcantes que me ficaram na memória.
Soube do 25 de abril pela rádio. Estava em São Tomé de Negrelos. O ambiente na rua não era muito intenso como nos grandes centros, porque era uma aldeia, mas sentia-se um frenesim de apoio, Acompanhei de tal ordem esse dia que nem sequer fui para a cama. Enquanto que o conselho da revolução não emitiu o comunicado - que só enviou às 4 da manhã, se não me falha a memória – eu nessa noite não dormi e fui no dia seguinte trabalhar de direta!
O 25 de Abril acabou por ser marcante, mas acabou por ser o culminar de uma situação que já era insuportável. A juventude sentia isso. Sentia o problema da guerra colonial, que ceifava muitas vidas às suas famílias e pôs fim a essa guerra… que era uma guerra injusta, uma guerra tirânica e veio criar condições de liberdade de expressão, de pensamento, de união. E, eu sempre gostei de participar nesse tipo de movimento.
Eu fiz uma opção ideológica. Hoje sou militante comunista, desde exatamente dessa data – de 1974 – e continuo a lutar e a defender os ideais de Abril e a transmitir essa preocupação.
Ainda falta muito por cumprir de Abril. O verdadeiro espírito de Abril não está cumprido. Enquanto não houver verdadeira liberdade, no sentido de haver habitação, saúde, e livre educação para todos, não há verdadeira liberdade. Só quando essas condições existirem é que o 25 de abril será cumprido!"
(DOMINGOS DE SOUSA, 79 ANOS)
"O meu pai era extremamente religioso. Era caseiro de terras, e então no Verão havia necessidade de regar as vinhas. Para eu ganhar ânimo levou-me à missa das 6h00 aqui em Santo Tirso e depois fomos beber um copo de água ardente. Mais tarde juntamo-nos todos com os outros agricultores. Nós só falávamos de lavoura e do gado. Nunca falávamos de política. Eu era catraio e antigamente as crianças não se podiam dirigir nas conversas aos adultos. Éramos cinco. Estavam a trocar informações sobre agricultura, no interesse de nos ajudarmos uns aos outros, e nisto passa um indivíduo, sai e passado uns 50 metros volta para trás. Vira-se para nós e diz: “Vocês sabem que não podem estar todos juntos a esta hora? Façam o favor de dispersar!”.
Era da PIDE. Dizia que não podiam estar juntas mais do que duas pessoas. Ora, perante um homem daqueles, os homens ficaram assustados, menos um que resistiu e retorquiu dizendo que não estávamos a fazer nada de errado. Mal ele sabia que dessa lei de que as pessoas não se podiam agrupar. Mais do que duas pessoas era considerado conspiração” Então um GNR que por acaso estava no local disse-lhe: “então, estás maluco? Não vês que ele vos leva para os calabouços?”
Esse episódio marcou-me muito. Tinha na altura 9 anos. A partir dali percebi que havia alguma coisa esquisita… que era proibido falar de política e nunca mais encarei aquela gente [do regime].
Mais tarde, já tinha eu 18 anos e deu-se a eleição do Humberto Delgado. O meu pai, que não se imiscuía na política, votou nele. Mas teve que ser em segredo. Aquilo não foram eleições verdadeiramente livres. As mulheres, para começar, não podiam votar. Eram só homens, chefes de família e bem conotados. Teria que ser bem indiciado por outras pessoas, ou seja, não ser dissonante. E o meu pai que se enquadrava nos parâmetros que eles desejavam, uma pessoa religiosa e tudo mais, depois, quando chegou a casa, disse que votou no Humberto Delgado. Nós ficamos admirados.
Em adulto, saí de Portugal porque procurava uma vida melhor e porque não gostava do sistema vigente. Éramos muito oprimidos. Na altura do 25 de abril já tinha dois filhos e senti uma alegria incrível. Uma alegria enorme! Infelizmente contactava com muitos emigrantes e metade dos emigrantes não estavam de acordo com a Revolução. Os emigrantes na altura não tinham qualquer cultura política, como há agora. Ficavam ali agarrados ao sistema. Eu não. Era estranho porque eles tinham fugido, e se calhar nem se apercebiam que era daquilo que estavam a fugir. O sistema é que os obrigou a emigrar e procurar uma vida melhor. Nós melhoramos a nossa vida mas foi à custa de muito trabalho.
A separação da nossa família, dos nossos amigos era complicada. Para além disso, éramos muito explorados. Estive em França. Na Alemanha já eram mais suaves em relação aos emigrantes, mas em França era uma grande exploração… talvez por sermos estrangeiros.
Muitos portugueses viviam aglomerados em bairros de lata em favelas, em contentores. Em Paris, em Champigny, havia um bairro só de portugueses. Nós lá, nos anos 60, éramos como escravos. Mas melhorei a minha vida. Construí uma casita.... Foi sangue, suor e lágrimas. Apesar de tudo notava-se que havia uma grande liberdade em relação ao que tínhamos cá em Portugal.
Soube da Revolução pela rádio. Por acaso, na semana que ocorreu o 25 de Abril estava a trabalhar de manhã. Levantei-me à hora do costume. Ligava sempre um bocadinho o rádio quando me preparava para ir para o trabalho, e nisto apercebi-me de tudo… eu nem queria acreditar! Uma revolução? Diziam que o regime tinha sido deposto, que o Marcello Caetano teve que se render. Eu mal acreditava no que os meus ouvidos ouviam. Soube pela rádio portuguesa, mas como se falou na Alemanha da nossa Revolução! Na minha empresa, os encarregados todos falaram-me do que se havia sucedido. Confessei-lhes a minha alegria e depois, através da informação, acompanhei sempre muito interessado por todos os altos e baixos que houve no processo revolucionário… as tentativas de contra-revolução através do General Spínola, que foi o presidente da altura a seguir ao conselho da revolução, mas a partir de um determinado momento, tentou a contra-revolução e fugiu para Espanha e esteve lá durante o período final do Franquismo com o objetivo de invadir Portugal.
A nossa tropa estava envolvida então numa guerra muito subversiva em África e o sacana do Spínola estava a meter o Franco num potencial conflito!
Voltei para Portugal em 1980. Notei uma enorme diferença. De repente, reparei que estava num país onde os direitos já eram superiores aos dos países onde tinha estado emigrado. Tínhamos melhores leis de trabalho, na proteção laboral e até na Saúde. A nossa Constituição era melhor. Para mim o 25 de abril ainda não está totalmente cumprido. Temos que estar numa luta permanente para que os direitos que conquistamos não recuem".
(JOSÉ MAGALHÃES, 61 ANOS)
"Em Santo Tirso existiam os "bufos". A própria GNR tinha essa acção, aproveitando tudo. Na altura, as missas eram o centro de muita informação. Imagine que vinham quatro pessoas até um tasco depois da missa e ficavam a conversar. Havia sempre alguém que estava por perto a ver o que se estava a discutir, como o caso de um vizinho meu, que já não é vivo nesta altura, a quem lhe aconteceu isso. E, numa conversa, que às vezes era um mal entendido, uma frase mal percebida ou mal explicada, a pessoa passava por dizer alguma coisa contra o sistema.
Nós fomos educados para a obediência. A minha foi a última geração a ser educada para a obediência. Hoje, à mesa, um filho de cinco anos já exige uma coisa qualquer. Na minha altura abria a boca para pedir mais um bocado de pão ou comida, mas se falasse de outra coisa penso que levava um estalo. Tínhamos prerrogativa educacional.
Eu lembro-me que no dia 25 de abril, quando surgiu a notícia na rádio houve emoção e houve medo, mas sobretudo, houve uma sensação de aventura em nós, adolescentes. Eu sempre percebi o que se estava a passar. Percebi que estava já a germinar um determinado tipo de ideias. Nós queríamos estar no centro daquela festa, mas não nos foi permitido porque não havia dinheiro para o comboio e os nossos pais não o permitiam.
Nesse dia, houve a primeira edição do Jornal de Notícias que foi uma edição normal já com algumas notícias sobre o acontecimento, mas houve uma segunda edição e nos dias que se seguiram todos os jornais emitiam a primeira edição, que era a edição da manhã, e emitiam uma segunda edição, que era uma versão mais completa dos acontecimentos.
Todos os portugueses se deviam orgulhar de haver alguém que tenha tido coragem de “fazer” o 25 de abril. O que a juventude deve saber não é o que os manuais da escola dizem, mas sim o que a experiência de vida diz.
Aqui há tempos li numa revista que uma professora ou deputada, já não me recordo, dizia que o 25 de abril para os estudantes de agora é uma página no livro de história, como para mim o primeiro de dezembro. Eu compreendo-os. Por isso é que, se houvesse agora uma revolução, para melhorar o que quer que fosse, eles iam sentir isso no peito deles, iam sentir o coração a bater, iam sentir a adrenalina da mudança.
Se estamos aqui a falar hoje é porque houve o 25 de abril. Se nós não temos guerra colonial foi porque houve o 25 de abril. Poderia, obviamente, com o passar dos anos, haver várias influências para pôr fim aquilo. Mas foi o 25 de abril que acabou com a guerra.
A independência das colónias deve-se ao 25 de abril. A guerra colonial é uma chaga no nosso país. Não deve haver uma família portuguesa que não tenha tido um militar nas colónias, mesmo que não tenha morrido. Os militares iam para lá e namoravam. Quando voltavam já não tinham porque se tinha casado com outro homem e ele, se calhar, já vinha casado com outra. Isto são episódios de guerra, até a Segunda Guerra Mundial teve isso.
O 25 de abril foi um fator que congregou os portugueses e é aí, nesse sentido, que o 25 de abril é de extrema importância. Foi a luta pela liberdade, uma liberdade histórica. Foi um momento que congregou o povo. O povo português foi sempre um povo que nos momentos da verdade vê o melhor surgir. Na minha opinião, o 25 de abril foi o auge da afirmação. Agora espero é que o povo viva o 25 de abril todos os dias.
Mas ainda faltam cumprir valores de abril em muitos aspetos. Há sempre alguma ambiguidade, temos de assumir. Se não fosse o 25 de abril, nós não teríamos o parlamento que temos hoje. Se não fosse o 25 de abril, nós não tínhamos as leis laborais que temos hoje, vantajosas apesar de alguns retrocessos, mas que são apesar de tudo vantajosas. Falta cumprir-se a liberdade de escolher em si. Eu escolho, mas não decido. Eu escolho quem ponho nos órgãos políticos, mas depois não decido. Nós não temos democracia verdadeiramente participativa. Liberdade de escolher sim, liberdade de decidir ainda não. Eu não escolhi entrar para a União Europeia, por exemplo.
Quando soube do 25 de abril foi pela rádio. Saí de casa normalmente para o trabalho. Entrava às oito horas numa empresa têxtil em Santo Tirso. Era empregado de armazém. Quando cheguei a Santo Tirso, fiz o que fiz durante toda a vida – fui comprar o jornal. Desde muito jovem que compro o jornal diariamente.
Comprava o jornal e ia tomar o meu café ao "Café Tradição", que já não existe em Santo Tirso com pena de muita gente. Nesse café já havia algum alvoroço. Começou-se a constar o que se passava em Lisboa. Tive colegas que chegaram ao trabalho com rádios portáteis para ouvirem o desenrolar da situação.
O meu patrão na altura aceitou perfeitamente aquela euforia. Permitiu que as pessoas se deslocassem aos cafés perto da fábrica para se obter mais informações. O pessoal que saía às dez, depois chegava com novas notícias. Nós que saíamos ao meio dia para almoçar chegávamos depois com outras e assim sucessivamente. Foi nessa altura que eu e outro amigo quisemos ir para Lisboa.
Tivemos medo durante algum tempo. Muita gente não tinha essa perceção. Se não se desse o 25 de abril, muito provavelmente passado três ou quatro anos eu seria um preso político. Tinha já essa sensibilidade, apesar de ser jovem. Já estava ligado ao associativismo cultural e recreativo.
Em Santa Cristina do Couto tínhamos um grande grupo que era o CCR, que fez coisas fantásticas. Cheguei a fazer teatro com eles. O apelo estava em mim.
Como toda a gente, nasci numa família muito católica, mas eu pouco ou nada. Fui sempre um bocadinho fora da esquadria e quando houve a primeira tentativa para se cair o regime fiquei muito frustrado, mas quando foi o 25 de abril e a comunicação social estava em cima do acontecimento eu senti que naquele momento era a sério. Naquela noite nem dormi. A televisão fechava a emissão cedo naquele tempo, mas eu acho que nem dormi.
Pus-me a pé no dia seguinte todo alvoraçado. A minha mãe até dizia que eu estava tolinho. Para ela aquilo era um susto. Nessa altura eu já andava com cabelo grande e com calças rotas e até toquei bateria num conjunto de música pop na altura, ou seja, já tínhamos uma visão mais avançada. Isso fez com que a gente visse as coisas com outros olhos, com uma visão diferente.
Pertenci a sindicatos e nunca me deixei ultrapassar. Eu não sou de lamechices, mas muitas vezes fico triste quando ouço pessoas dizerem “Não quero saber da política para nada”, “os políticos são todos iguais”. Acho errado! Quando chego ao café e está a dar uma notícia sobre uma situação política e ouço dizer “É sempre o mesmo!”. É quase como o futebol, não gosto de futebol, mas não sou contra. Não gosto de fado, mas não sou contra.
Queiramos ou não, é a política e os políticos, para o bem e para o mal, que condicionam a nossa vida. Não é o futebol que condiciona nem o fado. São os políticos que permitem que a nossa vida seja boa ou má. Se os jovens agora não "pegarem no touro pelos cornos" e não disserem “vamos intervir”, para o bem ou para o mal, então não andam aqui a fazer nada. Isso é o pior que pode acontecer.
Os jovens, na altura, estavam muito mais ligados à realidade política do país. Os jovens não tinham consciência, mas começaram a ter porque viram que alguma coisa estava errada e aderiram no movimento de reação.
Hoje há outros apelos, há outros estímulos. Nós, naquele tempo, se tivéssemos de escolher entre ir para os copos ou ouvir uma declaração de algum político, nós ouvíamos o político. Deixávamos tudo. Estávamos atentos! Desta forma, se não estamos informados, estamos a deixar que alguém decida por nós.
Nunca devemos deixar que outros decidam por nós. Obviamente que não vamos deixar que a vida nos passe ao lado, a nossa diversão. Eu penso que havendo momentos para tudo, o mais importante na nossa vida são as escolhas e o 25 de abril veio permitir-nos escolher".