
Tirsense aventura-se no Brasil em busca do sonho no voleibol
Em entrevista à Santo Tirso TV, Bruno Leite falou sobre a forte tradição do voleibol em terras de Vera Cruz e das suas ambições enquanto técnico da modalidade.
Bruno Leite, de 26 anos, partiu para o Brasil em busca de tornar realidade o sonho de ser treinador profissional de voleibol. No seu currículo destaca-se a passagem pelo Ginásio Clube de Santo Tirso, enquanto jogador, e por clubes como o Vitória SC e o AVC Famalicão, na qualidade de treinador. Atualmente orienta a equipa sub-19 feminina do São José Vôlei, de São Paulo, onde já conquistou o título da Fase Regional dos Jogos da Juventude.
Santo Tirso TV: O Brasil tem, de facto, mais tradição na modalidade do que Portugal. De que forma a compensação financeira demonstra essa diferença?
Bruno Leite: A própria cultura desportiva no Brasil é mais avançada, comparativamente a Portugal, existindo várias leis de incentivo ao desporto e apoio por parte de grandes empresas, que depois se traduzem em verba para os clubes. Num escalão de U19 as atletas já recebem bolsa-atleta, algo que reflete a seriedade do trabalho aqui desenvolvido.
STTV: Como vê representada toda essa cultura desportiva e dimensão da modalidade nos treinadores do Brasil?
BL: Os profissionais brasileiros são de uma tremendíssima qualidade. Reparei neles um aspeto que os distingue dos restantes: o "feeling brasileiro". Ainda não consigo explicar de onde vem, nem como se desenvolve- começo a acreditar que está relacionado com os anos de sucesso desportivo, conquistas e tradição desta modalidade. Há um saber fazer natural nos treinadores brasileiros. Uma capacidade muito boa de se situarem e de perceberem qual a necessidade da sua equipa, transformando isso em exercícios muito eficazes e bem adaptados às necessidades das equipas. Aquilo que lhes falha em termos teóricos é compensado em larga escala em saber fazer e saber aplicar.
STTV: O que vê nas suas atletas que demonstre essa forte tradição do voleibol brasileiro?
BL: São muitas as atletas a lutar por uma chance de conseguir chegar ao mais alto nível e de firmar o seu nome entre as melhores. Enquanto Portugal perde muitas atletas na altura da ascensão ao escalão sénior, aqui é a altura em que estes mais se dedicam. A maioria das equipas de topo vê, anualmente, atletas vindas dos seus escalões de formação a completarem os seus plantéis, quer para o treino, quer para as partidas.
STTV: Estando habituado à cultura desportiva portuguesa, o que acha que trouxe de novo para este projeto no Brasil?
BL: A minha intenção foi dar ao grupo ferramentas que lhes permitissem ver mais concretamente o que se passa dentro de campo e, consequentemente, tomar decisões em função disso. Por essa razão, senti a necessidade de promover o trabalhar em função de estatística e números. Procurei, também, incutir uma postura mais auto-avaliativa para que as atletas estivessem familiarizadas com os seus índices de rendimento, de modo a que, posteriormente, conseguissem passar mais tempo dentro daquele que é o seu padrão de rendimento. Este pensamento mais executivo e voltado para a performance individual e coletiva fez com que houvesse uma maturação e crescimento generalizado dentro do grupo.
STTV: Com que mentalidade entrou nesta aventura?
BL: Assim que comecei a trabalhar no voleibol brasileiro senti a necessidade de fazer um “reset” mental acerca de tudo o que achava que sabia sobre voleibol e treino. Deparei-me com um nível de profissionalismo bastante acima do que havia vivenciado e quis, por isso, reter o máximo de todas as novas experiências e grupos de trabalho com os quais tive a oportunidade de trabalhar.
STTV: De que forma procura, enquanto preparador físico e treinador, passar às suas atletas a importância da condição física na performance desportiva?
BL: A verdade é que não há performance sem preparação física. Aproveito para cumprimentar todos os meus colegas preparadores físicos, pois têm vindo a desempenhar um papel, a meu ver, cada vez mais fundamental para a subida de nível do voleibol português, quer o campeonato principal quer a seleção nacional. A prática do voleibol aqui no Brasil tem uma finalidade muito mais voltada para o rendimento e para uma possível carreira desportiva e, consequentemente, as atletas acabam por ter mais facilmente uma importantíssima cultura de trabalho físico.
STTV: Sentiu diferença entre estes países no que diz respeito à cultura de preparação física e da prática regular de desporto?
BL: Sem dúvida. Neste aspeto, Portugal ainda tem um caminho longo de crescimento e consciencialização. Em comparação com outros países, treinamos muito pouco e, principalmente nos escalões de formação, ainda estamos longe de poder pensar numa preparação física mais voltada para o atleta e menos para o cidadão (independentemente da faixa etária) que se quer saudável e a praticar exercício.
STTV: Hugo Silva, selecionador nacional, abordou em entrevista a admiração que tem pelo voleibol brasileiro, destacando Chico Santos como “um dos melhores treinadores do mundo” e a influência que este teve na forma como trabalha. Quão impactante acha que o contacto com profissionais brasileiros seria para o desenvolvimento dos treinadores portugueses e da modalidade no nosso país?
BL: Toda a experiência e tentativa de aprendizagem deve ser vista como válida e como uma oportunidade de crescimento. Esse contacto já existe na nossa modalidade há bastante tempo e é com satisfação que vejo que cada vez há mais troca de experiências com profissionais de outros países. Considero extremamente enriquecedor e importante que haja essa busca por conhecimento e por perceber como podemos melhorar o nosso trabalho, que novos métodos podemos adotar para impulsionar mais a modalidade no nosso país. As oportunidades estão aí para serem aproveitadas, e acredito que os portugueses têm vindo a perceber a importância deste contato e partilha com outros profissionais para o seu crescimento.
STTV: Acredita que a sua experiência incentivará mais tirsenses a aceitar projetos da modalidade no estrangeiro?
BL: Santo Tirso é uma cidade com jovens muito trabalhadores e competentes nas mais diversas áreas. Espero ver o meu concelho a crescer cada vez mais e que hajam cada vez mais tirsenses a tornarem-se profissionais de relevo nas suas áreas. Se a minha experiência servir de incentivo, ótimo! Que haja coragem e apoio aos jovens para abraçar projetos e aventuras que irão colocar Portugal e Santo Tirso em lugar de destaque por esse mundo afora.
Por David Braga