Extrema-direita impede manifestação na estátua do padre António Vieira

Membros de um grupo nacionalista cercaram manifestantes, que queriam colocar velas e flores na estátua para recordar as vítimas da escravatura

País

06 OUT '17
Tempo de leitura: 7 min

Uma manifestação pacífica contra a estátua do Padre António Vieira em Lisboa foi ontem, 5 de outubro, impedida pela presença de um grupo de nacionalistas da extrema-direita. Os cerca de 15 manifestantes do grupo Descolonizando, que queriam deixar flores e velas aos pés da estátua e recitar poemas no largo Trindade Coelho, dizem ter-se sentido ameaçados pelo grupo que impediu o protesto. O objetivo da manifestação pacífica era homenagear as vítimas da escravatura, perante a estátua de uma figura que consideram um "esclavagista seletivo".

 

"Não houve nenhum tipo de violência física, mas houve momentos de intimidação e em que nos sentimos coagidos. Houve um momento em que estávamos literalmente cercados", contou uma das manifestantes, que não se quis identificar por temer represálias.

 

"Desde ontem que membros desse grupo [de extrema-direita] têm entrado nas minhas contas [nas redes sociais], explicou. "Não me sinto segura".

 

Mamadou Ba, dirigente da associação SOS Racismo, diz que o grupo nacionalista Portugueses Primeiro "tinha a intenção de provocar um confronto". "Não houve confrontos porque nós não nos predispusemos a isso. Fizemos tudo para evitar que efetivamente se concretizasse aquilo que era a intenção dos skinheads: provocar um confronto para impedir a manifestação, mas sobretudo para marcar uma posição política", contou.

 

A estátua do padre António Vieira, um dos religiosos mais conhecidos da história e da literatura portuguesa, foi erguida a 22 de junho deste ano no largo Trindade Coelho para homenagear "uma das maiores personalidades do pensamento" português, como disse o presidente da câmara, Fernando Medina, no dia da inauguração.

 

Contudo, para o grupo Descolonizando, a estátua representa um "esclavagista seletivo" que contribuiu para a colonização de milhões de africanos e o etnocídio ameríndio.

 

"Aquela escultura é uma representação muito violenta para a memória dos africanos e índios escravizados", disse ao DN a integrante do movimento Descolonizando, composto por "investigadores, professores, artistas e ativistas de diversas nacionalidades", como se lê no Facebook.

 

O objetivo da manifestação era "fazer uma homenagem às memórias dos africanos e índios escravizados" com "uma performance com flores, velas, poesia declamada e dança", continuou a manifestante.

 

Mamadou Ba explicou que este protesto, que foi marcado para 5 de outubro, surge num contexto específico para lançar um debate público sobre a "catarse histórica em relação ao passado colonial", mencionando as declarações do presidente da República no Senegal.

 

"A estátua é apenas um expoente de outros movimentos que celebram o passado colonial", explicou Ba, que descreve a escultura como "a manifestação mais recente da celebração da memória histórica". "Isto desemboca no debate público em torno da forma como estamos a reavivar a nossa memória colonial coletiva e a forma como esta interpretação da memória colonial pode ter e tem consequências graves na forma como olhamos para a a diversidade cultural no nosso país".

 

Em Abril, Marcelo Rebelo de Sousa disse na ilha de Gorée, no Senegal, que Portugal reconheceu a injustiça da escravatura quando a aboliu, em 1761.

 

"Não aceitamos essa estátua. Com a colaboração da Igreja, mais de seis milhões de africanos foram escravizados pelos portugueses no tráfico transatlântico. Padre António Vieira era um esclavagista seletivo. A colonização portuguesa no final do século XVI já tinha dizimado 90% da população indígena. A evangelização jesuíta foi a maior responsável pelo etnocídio ameríndio", lia-se no cartaz do protesto.

 

"Quando chegamos lá, a escultura do Vieira já estava cercada por um grupo de pessoas do Portugueses Primeiro, como eles se identificavam", contou a manifestante. Os cerca de 30 membros do grupo de extrema-direita cercaram a estátua e não deixaram os manifestantes aproximarem-se.

 

A polícia, que também estava presente, "ficou por cima do muro", descreveu a manifestante do Descolonizando. "Não nos sentimos seguros, mesmo com a presença da polícia, e fomos embora em grupo".

 

Mamadou Ba apontou "falhas na análise por parte das autoridades". "Fiquei muito surpreendido com a passividade da polícia, que não terá levado muito a sério a possibilidade de uma confrontação e sobretudo não levou a sério a própria convocatória que já se conhecia nas redes sociais sobre uma contra-manifestação", continuou.

 

"A presença inicial da polícia era manifestamente insuficiente para garantir a ordem pública e sobretudo a segurança das pessoas que estavam ali para manifestar", disse o dirigente do SOS Rascismo, acrescentando que a câmara de Lisboa tinha autorizado o protesto.

 

No seu site oficial, o grupo Portugueses Primeiro, que se apresenta como uma associação de iniciativa cívica, escreveu um texto em que disse que a verdadeira intenção dos manifestantes era "denegrir a Igreja Católica e incutir um sentimento de culpa nos portugueses" e que o protesto era "uma manifestação de puro ódio anti-português".

 

O grupo partilhou fotografias do momento e disse ter cumprido o seu objetivo: "zelar pela gloriosa memória histórica" e impedir a realização de uma atividade "anti-nacional". "Portugal é dos Portugueses! A Nossa Terra é Nossa! Portugueses Primeiro!", lê-se no final do artigo.

 

Mamadou Ba nega a intenção de querer apagar a história e afirma que "a memória é para não ser esquecida". "Ela tem de ser celebrada com todos os componentes para que no futuro não se repitam erros. Quem não conseguir olhar de frente para o seu passado, tem muita dificuldade em tratar o presente e muito menos condições para tratar do futuro", defende.

 

O que não se pode fazer, é "transformar a memória histórica numa esponja: apagar o que de mal se fez e tentar celebrar supostas glórias", explica.

 

Este foi o primeiro evento do grupo Descolonizando, que diz querer "repensar o passado no presente", segundo um dos membros. O objetivo é criar espaços de reflexão e discussão, "promovendo a construção de uma narrativa crítica para eliminar o racismo e a desigualdade", lê-se no Facebook.

 

 

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tags: País , Manifestação , Escravatura , extrema direita , Lisboa , Padre António Vieira

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